Review coletivo produzido pelo Grupo Diário Kenparkerniano
A reunião virtual de fãs de Ken Parker, fumetti/HQ italiano que é item de devoção do Diário Kenparkerniano, grupo formado no WhatsApp que se organizou com a intenção de cronologicamente reler e debater todos os episódios da epopeia western, também será relatado aqui no Ken Parker Blog. São reviews coletivos coletando parte dos debates, ainda mais depois que a Editora Mithos anunciou o relançamento de Ken Parker, material baseado na coleção italiana da editora Mondadori, com duas histórias por edição e totalizando 50 volumes
Antes, julgamos necessário retornar às origens do nosso herói.
Confira a trilha sonora de Ken Parker
Confira a trilha sonora de Ken Parker
Itália, 1974, Giancarlo Berardi (roteirista) e Ivo Milazzo (desenhista) dão luz a Ken Parker, personagem que chegaria às bancas europeias em junho de 1977. Inicialmente inspirado no protagonismo de Robert Redford em "Jeremiah Johnson" (Mais Forte Que A Vingança – 1972), filme de Sidney Pollack, a dupla projeta uma instantânea conexão estética com a grande tela, os amplos espaços, peculiaridade que nunca seria abandonada pelos criadores. O filme de Pollack foi inspirado no livro "Mountain Man", de Vardis Fischer.
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Arte: Ivo Milazzo |
Segundo Berardi, Ken Parker nasceu em 20 de novembro de 1844, em Buffalo, Wyoming, — e é também é conhecido pelos índios como Rifle Comprido (nome que batiza o primeiro episódio, também conhecido no Brasil como "Vingança", como foi lançado pela editora Vecchi no final dos anos 1970). A alcunha advém da constante companhia de seu inseparável rifle Kentucky, arma de fogo herdada do avô.
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Arte: Ivo Milazzo |
Review — Ken Parker "Vingança" (Vecchi) / "Rifle Comprido" (Tendência). Roteiro: Giancarlo Berardi — Desenhos: Ivo Milazzo. Publicada originalmente no Brasil em novembro de 1978/Editora Vecchi
O Brasil sempre acolheu muito bem o faroeste, tanto no cinema como nas bancas, e com chancela do bordão "Tex apresenta" impresso no alto da capa — Ken Parker é apresentado ao público brasileiro apenas dois anos após seu lançamento na Itália. O título original (Lungo Fucile) — “Rifle Comprido” foi vertido para “Vingança”, assim como acontecia em muitos filmes, citando como exemplo o próprio filme que inspirou o personagem, pois aqui no Brasil, a Warner rebatizou "Jeremiah Johnson" como "Mais Forte Que a Vingança" (olha a vingança de novo aí!). E afinal, vingança é um tema recorrente no gênero western. Ainda inspirado no longa de Sidney Pollack, o próprio nome "Ken Parker" foi uma segunda opção, com Berardi o batizando inicialmente de Jedediah Baker, para logo depois alterá-lo para o nome ao qual o conheceríamos, uma sugestão de seu editor, Sérgio Bonelli.
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Arte: Ivo M ilazzo |
A semelhança de Ken Parker com Robert Redford é facilmente percebida, culpa da sensibilidade e do talento de Ivo Milazzo. Ele simplesmente espelha as partituras corporais de Redford. Ken se movimenta e reage com os trejeitos de Jeremiah, é o que podemos constatar ao longo de várias edições. As posições e reações do corpo do personagem ecoam as cenas do filme, com a sensibilidade de Milazzo imprimindo digitais inéditas no gênero. O traço do desenhista é diferente do que estamos acostumados em Tex, por exemplo, e apesar da estranheza inicial de muitos, Milazzo cria um novo estilo de contar histórias. Ao longo dos episódios seguintes perceberemos que os traços da pena do artista italiano evoluem desse ideário inicial, quando aos poucos ele vai encontrando a maturidade da construção visual de Ken.
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Arte: Ivo Milazzo |
Em "Vingança/Rifle Comprido", o Ken Parker barbudo parece mais forte fisicamente, sua roupa ainda não encontrou o alinhamento definitivo que hoje faz parte do figurino que identificamos como seu. Outra característica dos desenhos de Milazzo, mais propriamente detectado em suas expressões, é que conseguimos "ler" o que Ken pensa sem a necessidade de flashbacks — um dos elementos inovadores do personagem está na quase completa abolição desse recurso frequentemente utilizado. Outra sistemática milazziana são as sequências em close sem uma única legenda — puro cinema em HQ.
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Arte: Ivo Milazzo |
Voltando a trama de "Vingança/Rifle Comprido", os acontecimentos do final de dezembro de 1868 iriam mudar todo o curso da vida de Ken Parker. Após vender um suprimento de peles num posto de troca, Bill, o irmão de Ken, é assassinado e o dinheiro roubado. A cena do funeral de Bill nos arremete diretamente para o take do enterro da Mulher Louca em "Jeremiah Johnson". Essa é a alavanca dramática que deflagra sua jornada em busca de justiça. E a nebulosa sombra do trágico desaparecimento do irmão surge como temática recorrente capturada no arquétipo do eterno aventureiro viajante, fazendo desse incidente uma das principais forças motrizes para transfigurá-lo em diferentes e constantes movimentações.
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Arte: Ivo Milazzo |
Em “Vingança/Rifle Comprido”, o Ken Parker humanista que surgiria em episódios seguintes dá lugar ao seu alterego vingativo, um 'caçador de homens' obcecado pelo seu objetivo principal — encontrar os assassinos do irmão. Seguindo as pistas dos sicários, Ken chega até Fort Smith, posto avançado do exército em plena reserva Cheyenne, e local onde acaba se alistando como guia civil. O amor de Berardi pelo romance policial por excelência surge na apresentação dos scouts, pois na cabeça de Ken — todos são suspeitos de matar o irmão adolescente.
Dramatizando essa caracterização, cada rosto é revelado num quadro único, mas com luz individual em cada expressão— puro Agatha Christie em "Assassinato no Expresso Oriente". Nesse primeiro episódio, não há espaços para idealismos e reflexões — é o brutal rigor humano que orquestra as ações, nos jogando em uma ambiência cinzenta, mortiça e assombrada pelo constante sentimento de perda. E o objetivo de vingar o irmão promove em Ken um sentimento de raiva que o faz tomar decisões estratégicas conflitantes com sua personalidade apaziguadora. Esse viés de crueldade encontra seu ápice no episódio da morte do Xamã Ti-Shea — espécie de respiro tático utilizado para garantir a Ken o tempo necessário para descobrir a identidade dos assassinos de seu irmão, além de obviamente salvar o agrupamento de sumariamente ser abatido pelos Cheyennes. Por outro lado, podemos perceber uma profunda crítica aos códigos militares e ao massacre indígena, temas recorrentes ao longo da jornada de Ken Parker. Ao final, no encontro com o Chefe Mandan, Ken resgata sua alma pacifista, como também parece parcialmente aprisionar seus demônios interiores.
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Arte: Ivo Milazzo |
Próximo episódio: “Mine Town”.
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Arte: Ivo Milazzo |
Obrigado, Manitu!!!
ResponderExcluirNa época do lançamento de Ken Parker no Brasil, os quadrinhos da Editora Vecchi estavam nas mãos do "Ota" (Otacílio Costa D'Assunção Barros) e isso fez toda a diferença a favor da coleção. A tradução literal do título do primeiro episódio, logo de cara, seria danosa ao personagem. Imaginem: Tex apresenta KEN PARKER Rifle Comprido! Nem mesmo a bela aquarela de Milazzo seguraria a eterna gozação, não é mesmo, Lucas Pimenta/Bira?? Abraço!
ResponderExcluirPode falar, maninho, aquela eterna tirinha ficou clássica, rs! Mas concordo plenamente com você, e hoje, ao analisar a obra mais maduramente, ouso dizer que título da Vecchi foi muito mais feliz do que a proposta original! APS
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