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Ilustrações: Ivo Milazzo |
Os filmes de faroeste nos
ensinaram a temer a presença dos índios norte-americanos (red skins/peles-vermelhas),
ironicamente — habitantes originais do continente, mas violentamente expulsos de suas próprias casas. Essa demonização onipresente
permeia a trama de centenas de filmes produzidos por Hollywood, onde na maioria
das vezes, homens maquiados interpretam uma releitura estereotipada da
Conquista do Oeste. E nesse quadro mal pintado, as tribos indígenas tinha um
papel muito bem definido no desenho da embalagem empacotada sob medida para o grande écran — eles eram os
bandidos!
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Arte: Ivo Milazzo |
Quando criança, tive meu Forte
Apache, um brinquedo que se tornou popular nos Estados Unidos no final da
década de 1940, febre que tomou conta não apenas daquela garotada do
pós-guerra. Desse modo, como muitos dos costumes ligados à cultura pop, o Forte Apache advém como objeto de consumo do público infantil pela influência dos filmes de faroeste, mais propriamente idealizado como retrato do longa-metragem homônimo — “Forte Apache” (1948), de John Ford, com John Wayne. Também podemos citar seriados como o "Rin-Tin-Tin" (1954/1959), "Bonanza" (1959/1973), "Chaparral" (1967/1971) entre outros, responsáveis pela disseminação dessa reprodução. No
Brasil, esse brinquedo também se tornou popular entre as décadas de 1960/70/80,
ecoando a mensagem de que o homem branco ainda precisava se defender da ameaça índia.
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Arte: Ivo Milazzo |
Felizmente, durante os anos 1970, houve um importante realinhamento histórico da posição erroneamente definida a figura ameríndia, começando pelo principal agente por torná-lo um inimigo público — Hollywwod. Nessa nova visão podemos lembrar de "O
pequeno Grande Homem" (1970), de Arthur Penn, e o quase esquecido
"Quando é preciso ser homem" (1970), de Ralph Nelson, dramas com
forte carga revisionista. Essas novas abordagens e
visões a respeito dos possíveis 'vilões e mocinhos' dramatizados nas
telas da produção cinematográfica, não apenas provocaram o debate, como também ecoaram novos ventos junto aos historiadores. Assim chegamos a outra peça importante dessa engrenagem de releitura, "Enterrem meu coração
na curva do rio" (1970), sensacional publicação assinada pelo historiador
Dee Brown, e livro que rapidamente tornou-se uma espécie de divisor de águas na
maneira de se repensar a conquista do Velho Oeste.
Concomitante a revisão histórica
do massacre dos índios norte-americanos, nesse mesmo período havia ainda uma nova
ebulição pela justiça social, protestos contra a guerra do Vietnã, o
movimento de maio de 1968, na França, além de uma importante reavaliação dos
Direitos Humanos. Então chegamos em
Ken Parker, arquétipo do anti-herói, repleto de dramas existenciais e ligações à narrativas poético/literárias. Leitor de Walt Whitman, William Shakespeare, Edgar Alan Poe, Karl Marx, Henry Thoreau, Nathaniel Hawthorne, Herman Melville — humanista, defensor da natureza, guia civil do Exército, montanhista, trapper, pacifista, misantropo, sensível a causa indigenista, demasiadamente humano ou simplesmente — um dos mais fascinantes personagens que os quadrinhos western já nos entregou.
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Arte: Ivo Milazzo |
Para quem possui as antigas revistas da Editora Vecchi, ao qual o personagem criado por Giancarlo Berardi (roteiro) e Ivo Milazzo (desenhos) ficou conhecido no Brasil ainda na virada dos anos 1970/80, certamente lembra de
“Rastos no Vento”, série de cards publicados nas capas internas da HQ. O que sabemos, no que parece ser a intenção original da dupla de criadores, é que se tratam de 18 peças gráficas publicadas entre os primeiros 21 episódios de Ken Parker. Com essa intenção, e utilizando o texto legítimo dos próprios protagonistas, eternizado em cantos tribais, escritos e na própria tradição oral, em
“Rastos no Vento - Palavras e Escritos dos Índios da América” a dupla Berardi/Milazzo evoca espiritualidade e a relação com a morte; fala do respeito e louvor à natureza; revela a relação dos índios com o cosmos; resgata visões poéticas sobre o amor — em alguns momentos emulando o sopro do haicai oriental — assoma o vernáculo músical e passeia por estações do ano; sempre a reproduzir cenários e vozes de uma das mais fascinantes culturas de todos os tempos.
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Mui lindo!
ResponderExcluirMaravilhoso resgate! Muito emocionante mesmo! Parabéns!
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