segunda-feira, 31 de agosto de 2020

KP#33 Milady

Arte: Ivo Milazzo
A reunião virtual de fãs de Ken Parker, fumetti/HQ italiano que é item de devoção do Diário Kenparkerniano, grupo formado no WhatsApp que se organizou com a intenção de cronologicamente reler e debater todos os episódios da epopeia western, também é relatado aqui no Ken Parker Blog.

Confira a trilha sonora de Ken Parker
Review — Ken Parker "Milady" (Vecchi /Tendência). Argumento/Roteiro: Giancarlo Berardi / — Desenhos: Giorgio Trevisan. Publicada originalmente no Brasil em Julho de 1981/Editora Vecchi  
Arte: Giorgio Trevisan 
Fora do exército, Ken Parker precisa buscar outra forma de sobrevivência. E é como trapper, caçador de peles, que o ex-scout encontra um meio para seguir em frente. Cerca de três meses e meio após a Batalha de Little Big Horn, como vimos no episódio anterior, em outubro de 1876, Ken, novamente é 'o nobre sauvage entre os selvagens'. Durante uma caçada, não deixa de explicitar seus escrúpulos quando novilhos e fêmeas de búfalo são abatidos, causando inconciliáveis animosidades entre ele e Pete, o mais truculento e inescrupuloso integrante do grupo. No meio de suas andanças, os caçadores acabam por encontrar a jornalista britânica Barbara Huntington Scott, colaborada do periódico inglês The Times, guiada por Arthur Rowland, seu devoto aliado e subordinado. Na verdade, Barbara busca um guia que a leve até a fronteira do Canadá, onde está exilado Touro Sentado, no objetivo de entrevistá-lo para o jornal. 

Arte: Giorgio Trevisan 
A contação de história de Godey, relatando como escapou de uma perseguição de seis comanches no Arizona, é mais uma das belas reinvenções fabulárias de Giancarlo Berardi, dessa vez provendo o resgate no vernáculo popular, mais propriamente na história oral de Jim Bridger — mountain man, caçador, batedor e guia, e um das grandes personagens reais da Conquista do Oeste. Mas o que vemos pela primeira vez num episódio de KP, mais propriamente na página 45 de "Milady" (tomando por base a edição da Editora Vecchi), passará a ser habitual —  Ken Parker com um livro na mão, ou carregando-os em sua algibeira. O contato anterior com os livros nos leva de volta até "A Rainha do Missouri"  leia review AQUI — mais propriamente quando o versículo 15 do capítulo 7 do versículo do Evangelho de São Mateus é citado  na página 37. Afora a Bíblia, que segundo Ken — "seria um livro estupendo se não quisesse ensinar à força algo a alguém", até então, sua experiência com os livros é praticamente nula. 

Arte: Giorgio Trevisan 
É quando, à beira de uma fogueira, Arthur lê um trecho de "Romeo e Julieta" (1595), tragédia do escritor inglês William Shakespeare (1564-1616) escrita no final do século XVI. Esse première shakespereano retornará triunfalmente adiante, em "Um Príncipe para Norma", quando outra de suas peças, "Hamlet", será transmutada por Berardi/Trevisan. Ken Parker é instantaneamente capturado pelo universo literário, recebendo de Lady Barbara uma bolsa de livros com diversos autores, entre eles nomes em voga na segunda metade do Século IXI, autores como Washigton Irwing, Nathanael Hawthorne e Edgar Alan Poe. Assim, pela primeira vez em sua vida, Ken vira uma noite debruçado sobre às páginas de um livro, para no dia seguinte, debatê-lo com sua iniciadora. 

Arte: Giorgio Trevisan 
Nas conversas de Ken Parker com Barbara Scott, inevitavelmente surgem conflitos e pontos de vista divergentes, com o guia a alertar sua contratante das errôneas visões romantizadas sobre Touro Sentado  "É seguramente um grande homem, mas também seguramente tem um bocado de piolho no corpo", e assim, desconstrói iconizações no puro confronto das virtudes e defeitos de qualquer ser humano. Os diálogos entre Ken e Bárbara são envolventes, como ainda revelam o choque de realidade entre um mundo de fantasia — e por vezes hipócrita, mas desejado pela jornalista, a bater de frente na crua realidade. Esquartejada pelas circunstâncias ou no puro desvelo frente à irrevogável experiência de Ken, a vida como ela inevitavelmente graceja em "Milady". No afiado debate entre ambos, além de permanentes discordâncias, há aprendizado e reciprocidade na mútua atração entre Ken Parker e Barbara Scott. Podemos afirmar que a verbena literária deflagrada pela personagem da jornalista constantemente afluirá pelas páginas da série, denotando-a como uma das mais importantes mulheres na vida de Ken, por mais breve que tenha sido esse encontro. Novamente a força do feminino crava sua influência nas falas de Giancarlo Berardi, que anos depois ampliaria a bandeira feminista com Julia Kendall.       

Arte: Giorgio Trevisan 
Quem novamente retorna as páginas da revista é Mandan, Chefe Dakota que mantém uma longeva e respeitosa amizade com Ken, responsável em "Milady" por resguardar o grupo em sua aldeia de refugiados no Canadá, um dos caminhos utilizados por várias nações indígenas após o conflito pelas Black Hills. Vale lembrar que nas histórias de KP, esse retorno de personagens é incomum, afora o núcleo central que invariavelmente a liga à Boston, percepção detectada nesta quarta passagem de Mandan pelas narrativas de Berardi, com o Dakota sendo magistralmente desenhado pela primeira vez por Giorgio Trevisan.  

Arte: Giorgio Trevisan 
"Milady" é uma espécie de F5 na caracterização do personagem de Rifle Comprido, uma atualização de status que não se furta de 'levantar lebres' recorrentes na trajetória do protagonista — depredação da natureza, extinção das espécies, genocídio indígena, direito das mulheres e a importância do acesso ao conhecimento, ingredientes que tornaram Ken Parker um dos mais autênticos anti-heróis do western. Afinal, que herói do faroeste arriscaria o pescoço para salvar um saco cheio de livros? Certamente, apenas Ken nos proporciona essa aventura.

Próximo episódio: "Os Cavaleiros do Norte".  
Arte: Giorgio Trevisan 

Arte: Giorgio Trevisan 

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