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Arte: Ivo Milazzo |
A reunião virtual de fãs de Ken Parker, fumetti/HQ italiano que é item de devoção do Diário Kenparkerniano, grupo formado no WhatsApp que se organizou com a intenção de cronologicamente reler e debater todos os episódios da epopeia western, também é relatado aqui no Ken Parker Blog.
— Ken Parker "Senhoras de Pouca Virtude" (Vecchi /Tendência). Argumento: Giancarlo Berardi / Roteiro: Tiziano Sclavi — Desenhos: Sergio Tarquinio. Publicada originalmente no Brasil em Março de 1982/Editora Vecchi
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Arte: Sérgio Tarquinio |
De passagem por Albuquerque, no Novo México, Ken Parker é contratado pelo exército para guiar uma comboio até um posto avançado da União em Chuska, em Platô Colorado. Além de provisões e suprimentos, o scout será responsável por guiar a pequena caravana que também leva uma trupe de inusitadas passageiras — quase uma dezena de prostitutas, conluio de General Wesley para entreter os soldados no ambiente ermo ao qual estão alocados. A escolta conta com um oficial (Tenente Acton), um praça-imediato (Sargento Tucker), além de um grupo reduzido de soldados. Ao longo da perigosa jornada, Ken precisará superar uma série de adversidades, entre elas, o preconizado enfrentamento com belicosos apaches.
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Arte: Sergio Tarquinio |
Ao longo da série, por diversas vezes Giancarlo Berardi descreveu suas visões sobre o universo feminino, uma abordagem constante e intencional, temática que seria ampliada posteriormente com o protagonismo de Julia Kendall. Em "Senhoras de Pouca Virtude" — o próprio título não passa de uma ironia, pois apesar de relatar pequenas biografias de várias garotas de programa, o roteirista amplia uma desfoque dessa visão estereotipada e parte exatamente para o lado oposto do estigma e preconceito. Desse modo — Rosa do Campo, Molly "Para o Diabo", Annie, Moeda de Prata, Eleanore, Lillie, Paco, Annie, Rosebud, Annabel e Rainha, nos apresentam a imagem de mulheres absolutamente normais, com atributos e defeitos igual a qualquer ser humano — certas vezes temerosas de seu destino, outras vezes corajosas; sempre encantadores, reflexivas ou intempestivas; elas guiam carruagens, tocam instrumentos musicais, dançam e até sabem atirar com uma arma de fogo.
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Arte: Sergio Tarquinio |
Depois da estreia em "O Caminho dos Gigantes", Tiziano Sclavi (criador de Dylan Dog), novamente divide a pena com Berardi, e da mesma forma que no episódio #35, as dualidades do ser humano estão salpicadas dentro do pano de fundo da trama. E "Senhoras de Pouca Virtude" ainda marca a estreia de Sergio Tarquinio, conhecido por sua colaboração em História do Oeste, de Gino D'Antonio. Uma das marcas da personalidade de Ken acentuadas nesse episódio está no tom meditativo de suas observações sobre a alma humana. Talvez inspirado por sua ainda recente incursão pela literatura, ele imagina a vida pulsante por trás de cada rosto que encontra.
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Arte: Sergio Tarquinio |
Já na página 5 (tomando por base a edição da Editora Vecchi), ao assistir a partida de uma diligência ele diz ao Tenente Acton — "Por um momento desejei estar lá dentro. Ela leva homens e mulheres que têm uma história, talvez me agradasse conhecer e viver todas as histórias, quem sabe?". Esse viés absorto segue na sua introspecção no quarto do hotel (página 13); silente, ao atentamente ouvir as vozes que narram dramas pessoais (página 43); e até mesmo na forma reservada que se despede do Sargento Tucker na última página da revista, pronunciando um a um o nome das mulheres que conhecera, para então imaginar um epílogo particular e harmonioso, até partir como cavaleiro solitário rumo ao sol nascente. Ken Parker é um apaixonado pela alma humana, 'antena da raça', como se referiu aos artistas o poeta norte-americano Ezra Pound, frase que expressa não apenas o significado da capacidade dessa absorção pelo lúdico, mas também do senso de humanidade do personagem criado por Berardi/Milazzo.
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Arte: Sergio Tarquinio |
Os diálogos entre Ken e o Tenente explicitam a divergência dos pontos de vista de ambos, visões de mundo que passam a ser resinificadas pelo oficial ao longo da jornada, tanto pela insurgência do guia aos corriqueiros ditames militares, mas principalmente pela ausência de julgamentos morais, algo que rompe a senso das preconcepções. A figura de Acton ainda joga luz na máquina de moer gente montada pelo exército, quando a urgência do conflito com os índios absorvia cada vez mais jovens recém saídos das escolas preparatórias, para logo depois jogá-los no olho do furacão de enfrentamentos em plena horda indígena, revelando muitas vezes o total despreparo dos jovens comandantes militares.
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Arte: Sergio Tarquinio |
O comando das ações do que acontece em "Senhoras de Pouca Virtude" está na mão de Ken Parker, é ele o agente definidor da caravana, prepondo, através de sua experiência, o melhor caminho para cumprir a missão até o destino final em Chuska. A vivência e a proficiência do guia em lidar com as adversidades pode ser exemplificada nas negociações com Gordito. O chefe apache invariavelmente busca reparações e vantagens na sua carta de alforria para que o comboio cruze o território, encontro que aos poucos revelará a importância capital do controle paralelo entregue às rédeas de Ken. Ao final, sem resvalar na vala comum da estereótipo da mulher absorta ao triste mundo da prostituição, Giancarlo Berardi nos deixa um sentimento melancólico pairando no ar. Pois, quando as meninas finalmente chegam até o seu novo posto de trabalho, fica àquela sensação de que há inúmeras riquezas na vida de cada uma delas, mas infelizmente estamos defectíveis a não mover uma palha para mudarmos o curso das coisas. Ainda bem que temos Ken Parker ao nosso lado...
Próximo episódio: "As Sete Cidades de Ouro".
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Arte: Sergio Tarquinio |
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