![]() |
Arte: Ivo Milazzo |
A reunião virtual de fãs de Ken Parker, fumetti/HQ italiano que é item de devoção do Diário Kenparkerniano, grupo formado no WhatsApp que se organizou com a intenção de cronologicamente reler e debater todos os episódios da epopeia western, também é relatado aqui no Ken Parker Blog.
Confira a trilha sonora de Ken Parker
Review — Ken Parker "Apache" (Vecchi /Tendência). Argumento/Roteiro: Giancarlo Berardi — Desenhos: Ivo Milazzo. Publicada originalmente no Brasil em Fevereiro e 1982/Editora Vecchi
![]() |
Arte:Ivo Milazzo |
"Apache" marca o reencontro de Ken Parker com Dashiell Fox, seu velho companheiro de profissão. Ao contrário do ex-scout militar, passado mais de meia década, Fox ainda trabalha como guia civil à serviço do exército norte-americano, contrariando o que havia dito a Ken 31 episódios antes, em "Caçada no Mar". O que seria uma simples visita para colocar as questões particulares em dia, torna-se um retorno à parceria na missão de uma importante questão envolvendo a mobilização dos apache/chiricahua na Reserva de San Carlos, no Arizona. Inspirado num evento real, do esfacelamento da última força de resistência índia no Sudoeste do país, "Apache" também resgata a figura histórica de John Clum (1851-1932), um influente agente indígena.
![]() |
Arte: Ivo Milazzo |
Como está descrito em "Enterrem meu coração na curva do rio" (1970), livro de Dee Brown, ao seu modo obstinado, John Clum havia forçado os militares a se retirarem da ampla reserva de White Montain. Assim, substituiu as tropas por uma companhia de apaches para policiar sua própria agência, além de estabelecer um sistema de tribunais apaches para processar os violadores da lei. Embora seus superiores desconfiassem do método pouco ortodoxo de Clum — permitindo que os índios tomassem suas decisões, Washington chegou a reconhecer o sucesso do agente em manter a paz em San Carlos, confluência administrativa de sete tribos administrada por Clum. No início do episódio, mediante impasse vivido pelo agente frente ordens dissonantes enviadas do governo federal, percebemos o antagonismo entre o que acontece no campo de batalha e o que é decidido nos gabinetes.
![]() |
Arte: Ivo Milazzo |
E por mais vezes que tente fugir da sombra de atuação com o exército, parece que o caminho de Ken Parker está entrelaçado com o escopo da trajetória de extermínio dos índios norte-americanos, enovelado pelo banho de sangue que a conquista do Oeste promoveu. Em uma de suas últimas falas em “A Lenda do General", Ken diz a Monahseeta que não pretende assistir de perto a agonia dos peles-vermelhas. Por outro lado, em “Apache”, ele confessa a Dash que ainda não perdeu a esperança em revolucionar o sistema. E essa característica de sua personalidade — de tentar consertar o mundo através de um ingovernável senso de justiça — invariavelmente acaba por colocar nosso herói em uma série de enrascadas. E não poderia ser diferente, afinal — ele é Ken Parker. E o banho de sangue é uma das tristes tônicas em "Apache", capturado principalmente no recorte ao qual dezenas de crianças, mulheres e idosos são exterminados, o velho método genocida do homem branco de resolver a questão índia. A revolta de Chato, principal personagem apache do episódio, encontra sua justificativa 'olho por olho, dente por dente' exatamente nessa carnificina yankee.
![]() |
Arte: Ivo Milazzo |
Afora o debate aos dilemas familiares de ambos (filhos, destino dos scout, um mundo que se desconstrói frente ao progresso desenfreado), para extrair o melhor da química entre Dash e Ken, além de quebrar a tensão da trama, Giancarlo Berardi intercala inteligentes scats cômicos, e assim alivia o peso da temática. Um dos exemplos está na página 45 (tomando por base a edição da Editora Vecchi), quando Dash protesta sobre tom de pilhéria de Ken, isso logo após o veterano ter sugerido ao partner que fixe residência em alguma cidade e forme uma família — "É culpa minha se deixei um amigo sincero e encontro um agente matrimonial?". Outra passagem cômica está na ação do fotógrafo em San Carlos, com os apaches prendendo a respiração em busca do clique perfeito. Vale á lembrança de que o processo fotográfico utilizado nesse período era o ambrótipo, método inventado em 1850 e que dominou toda a atividade fotográfica até o final daquele século. A imagem surge invertida no visor, assim como era necessário prender a respiração e não sobrevir a mínima atividade de movimentação, para que assim haja o foco perfeito no objeto dessa captação. Outro aspecto nesses registros está na invenção de uma pós-verdade que pulveriza a realidade, maquiagem que acaba por ofuscar a história real através desse maniqueísmo estético.,
![]() |
Arte: Ivo Milazzo |
"Apache" ainda demarca Ivo Milazzo em pico de inspiração, com diversos momentos célebres, como a exemplo do visionamento dos exércitos confrontados na linha do horizonte em perspectivas opostas, como vemos na página 18. Para quem possui as novas edições (brasileiras, italianas, etc), com tamanho maior e com mais cuidados gráficos do que a versão antiga e borrada da Editora Vecchi, do primeiro ao último quadro, eis um prato cheio para nos deleitarmos com a proficiência técnica do ilustrador.
![]() |
Arte: Ivo Milazzo |
Outra aspecto novamente abordado é o difícil ofício dos exploradores civis à serviço do exército, tabulando a sensibilidade e conexão com a natureza, além do conhecimento ao vernáculo de cada tribo indígena, peculiaridades extremamente necessárias para formar um bom scout, principalmente naquele período da história estadunidense. A presença de Juh, como discípulo/pupilo de Chato, apresenta uma textura paralela que promove o arremate final de "Apache", inteligente elemento surpresa a catapultar a trama como exemplo explícito da genialidade da dupla Berardi/milazzo.
Próximo episódio: "Senhoras de Pouca Virtude".
![]() |
Arte: Ivo Milazzo |
Nenhum comentário:
Postar um comentário