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Arte: Ivo Milazzo |
A reunião virtual de fãs de Ken Parker, fumetti/HQ italiano que é item de devoção do Diário Kenparkerniano, grupo formado no WhatsApp que se organizou com a intenção de cronologicamente reler e debater todos os episódios da epopeia western, também é relatado aqui no Ken Parker Blog.
Confira a trilha sonora de Ken Parker
Review — Ken Parker "A Nação dos Homens" (Editora Vechi/Tendência). Roteiro: Giancarlo Berardi — Desenhos: Bruno Marrafa. Publicada originalmente no Brasil em Setembro de 1979/Editora Vecchi
Após a luta pela sobrevivência no deserto de gelo, Ken Parker e Nanuk conseguem finalmente reaver atividade humana frente a tanta adversidade, abstinência e desolação. Ao final de “Terras Brancas” eles são encontrados por trenós de uma comunidade indígena esquimó. Assim, Ken Parker, ou Kablunak (homem branco) acaba imergindo na cultura e nos costumes de um dos povos isolados do Continente americano. Além de ainda contarmos com a presença do genial Nanuk, em “A Nação dos Homens” também conhecemos Babaluk, Darvik, Pilotik, Ituk, Enja, Jolu, Amarok, entre outros personagens.
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Arte: Bruno Marrafa |
Na condição de 'estrangeiro', Ken humildemente se coloca na posição de aprendiz, imensamente curioso e grato por conhecer as peculiaridades do cotidiano de seus anfitriões. Flexível e atento aos descobrimentos, com os esquimós Ken Parker aprende, por exemplo, a tomar gosto pelo sabor da carne fresca, in natura. Um curiosidade — a etimologia da palavra esquimó significa 'comedor de carne crua'. O contraste cultural ganha tons humorísticos na narrativa de Giancarlo Berardi, um artifício que não apenas atenua as dissonâncias, mas sobretudo oferece reverência a cada peculiaridade apresentada nas páginas de "A Nação dos Homens". Nosso herói ainda irá se deparar com o curioso costume dos esquimós de ceder a esposa a um visitante.
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Arte: Bruno Marrafa |
Enquanto Giancarlo Alessandrini levou um tempo maior para encontrar o seu traço definitivo no universo da saga de Ken Parker, Bruno Marrafa parece muito à vontade, tanto em “Terras Brancas”, sua estreia, e também nessa sequência, atuando como um autêntico diretor de fotografia. Entre tantos acertos, mencionamos aqui um pequeno deslize: nas cenas iniciais da caça ao leão marinho, no primeiro quadro da página 8 (tomando por base a edição da Editora Vecchi), exato instante em que Ken faz seu debute no caiaque, o desenho da pequena embarcação está desproporcional em relação ao objeto navegável, sem senso de profundidade.
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Arte: Bruno Marrafa |
Entre as circunstâncias e personagens de “A Nação dos Homens”, Pilotik, Babaluk, Darvik e Nanuk protagonizam os momentos mais hilários da narrativa, promovendo uma sequência de gags (piadas visuais) arraigadas a diálogos e preceitos culturais. Dentro do papel hierárquico do xamã esquimó, representado pela figura de Babaluk, não há responsabilidades de líder, mas antes um tipo de curador e psicoterapeuta, alguém que cuida de ferimentos e oferece conselhos, assim como invoca os espíritos para ajudar o povo. Desse modo, após a morte de Arnik, na intenção de evocar o Espírito da Lua, a viagem de Babaluk no iglu necessita dos melhores pedaços de leões marinhos. Assim, um iglu é construído para que ele conduza essa cerimônia de passagem para o grande caçador morto. Berardi nos convida a compactuar de seu charlatanismo, mas sem intenção de desmascará-lo frente a tribo.
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Arte: Bruno Marrafa |
A propósito, Enja é um discreto, mas importante símbolo de rebeldia e equidade entre os gêneros. Ela é o eixo central do romance em “A Nação dos Homens”, instrumento de disputa entre Amarok e Jolu. Vale lembrar que estamos falando de um povo extremamente arraigado a perpetuidade de ancestrais costumes, numa sociedade onde o diálogo aparentemente não é um objeto de discussão. Nesse contexto o papel da mulher parece estar segregado apenas a aceitação — sem espaço para contestação e questionamentos. Enja rompe essa estagnação. Eis outras das características da intertextualidade de Giancarlo Berardi, apesar de estarmos avançando num território imensamente machista, o western, por diversas vezes veremos o roteirista dando voz às mulheres, atuando como um investigador da alma feminina.
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Arte: Bruno Marrafa |
E entre os protagonismos encontrados ao longo de "A Nação dos Homens", a despedida de Ituk é um quadro que impressiona Ken, incapaz de perceber o altruísmo da anciã em seu réquiem espiritual. A amizade entre Ken e Nanuk se fortalece, mas apesar dessa rara sensibilidade e compreensão entre ambos, o destino desta vez os afasta. E como bom aprendiz, Ken Parker relembra a Nanuk que os esquimós “festejam apenas as chegadas, as partidas são tristes e é de boa educação ignorar quem parte”. So long, Nanuk!
Próximo episódio: A Balada de Pat O’Shane.
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Arte: Bruno Marrafa |
Síntese perfeita de uma história grandiosa, que nos fala de respeito e aceitação às diferenças, sejam elas quais forem. Sobre o Berardi e o Far West, ele mesmo disse que desse gênero apenas nos apropriamos das suas metáforas do passado, para falarmos do presente. Creio que é justamente isso que estamos conseguindo com os debates sobre a releitura da saga Kenparkeriana.
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