segunda-feira, 14 de setembro de 2020

KP#38 O Poeta

Arte: Ivo Milazzo
A reunião virtual de fãs de Ken Parker, fumetti/HQ italiano que é item de devoção do Diário Kenparkerniano, grupo formado no WhatsApp que se organizou com a intenção de cronologicamente reler e debater todos os episódios da epopeia western, também é relatado aqui no Ken Parker Blog.

Confira a trilha sonora de Ken Parker
Review — Ken Parker "O Poeta" (Vecchi /Tendência). Argumento: Giancarlo Berardi / Roteiro: Maurizio Mantero — Desenhos:  Bruno Marraffa. Publicada originalmente no Brasil em Dezembro de 1981/Editora Vecchi
Arte: Bruno Marraffa
Numa diligência à caminho de Filmore, no Utah, Ken Parker conhece Langhorne Boyd, um inspetor à serviço da Wells Fargo. Boyd investiga roubos de um fora da lei conhecido como 'O Poeta', bandido que cometeu vários roubos naquela faixa do território norte-americano. Devido a uma intervenção pontual de Ken durante o trajeto da diligência, quando o ex-scout do exército impede que os passageiros sejam roubados por um pistoleiro e seu bando, Langhorne Boyd contrata Ken para auxiliá-lo na busca d'O Poeta. A equipe da polícia particular da Wells Fargo ainda conta com o apoio de Jack Blade, responsável pela segurança da empresa a Oeste de Salt Lake City.   

Arte: Bruno Marraffa
"O Poeta" rende análoga homenagem a Walt Whitman, um dos maiores poetas norte-americanos. não apenas daquele período, mas também de todos os tempos. No século XX, Whitman e seu verso livre influenciariam fortemente a Geração Beat, indicando o caminho para poetas/escritores como Allen Ginsberg. Gregory Corso e Lawrence Ferlinghetti, além de ainda afluir sobre o principal avatar literário do movimento literário, Jack Kerouac. Podemos perceber a láurea de Giancarlo Berardi a Whitman já no primeiro quadro da HQ, quando as 'folhas da relva' da pradaria ficam em primeiro plano na imagem, com a carruagem apenas sugerida numa sombra pardacenta do horizonte. 

Arte: Bruno Marraffa
"This is a big country" — "This is a free country". Nessas frases, que decoramos nos filmes de faroeste, condensa-se o essencial da ideologia do poeta que publicou sua magnum opus, "Leaves of Grass" (Folhas de Relva no Brasil), livro que circulou durante o período em que se passa a saga de Ken Parker. A publicação, com sete edições editadas entre os anos de 1855 e 1892, é considerada uma obras poéticas fundamentais do século XIX e estabelece Whitman como o pai da poesia norte-americana moderna. A bolsa de livros ofertada a Ken por Barbara Huntington Scott (episódio 33), continua alimentando a alma de nosso herói. Nada mais justo que o pai dos versos livres — pronunciado como Poeta da Liberdade — esteja entre os escritores preferidos de Ken.

Arte: Bruno Marraffa
Durante o curso da perseguição do criminoso — que sempre deixa um poema escrito, espécie de vênia paliativa aos atos ilícitos que comete — um caubói diz a Ken Parker que é necessário ter muita paciência para esperar o momento certo de encurralar o principal alvo da caçada, como vemos na página 65 (tomando por base a edição da Editora Vecchi). É quando Ken prontamente diz: — "Basta manter a mente ocupada", responde o guia com uma edição de "Folhas de Relva" ostentada como totem, levante individual de sua paixão pelos livros. Ainda há uma citação direta a "O Canto de Mim Mesmo" (páginas 99 e 109), um dos principais poemas do livro, além de um reforço da admiração por Whitman no penúltimo quadro da edição. Vale relembrar outra menção importante à obra do escritor em "Os Cervos/Um Hálito de Gelo" (Editora Ensaio/1994), ligação espargida no prefácio de Marcos Faerman, quando ele imagina Ken Parker lendo "O Canto da Estrada Aberta" de Whitman sob à sombra de um carvalho. 

Arte: Bruno Marraffa
Walt Whitman. Daguerreótipo de Gabriel Harrison 
Já em "O Poeta", são vários elementos utilizados pelo roteirista — análise, dedução, disfarces, blefes, e apesar de buscar inspiração na sensibilidade da poesia, os violentos vieses da procura pela justiça à qualquer custo ecoam no decorrer dos fatos. Essa dicotomia salta aos olhos principalmente no confronto entre as diferentes personalidades do humanista Ken Parker e do truculento Jack Blade, embate sincrônico à solução do caso. 

Bruno Marraffa está de volta à pena, que além de materializar o mais corpulento e musculoso dos Ken Parker, constrói autênticos cenários do imaginário western (e do seu vernáculo particular de habilidades) — carruagens, cavalos, áridas pradarias, ribaltas noturnas e a beleza do feminino. Por mais que o desenhista não seja uma unanimidade no casting da série — ou esteja entre os preferidos dos fãs — não podemos imaginar Ken Parker sem suas pinceladas eternizadas em vários episódios. E Marraffa domina o métier, basta olharmos com a atenção a forma como utiliza a técnica para representar um vulto pela visão da vítima agonizante (pagina 75) — faroeste puro! As estilizações e desproporções com rostos esticados estão entre as principais críticas ao seu praxe narrativo/visual, mas como não nos rendermos a sensacional cena noturna dos cavaleiros no primeiro quadro da página 79?

Arte: Bruno Marraffa
Apesar da desaprovação dos debatedores na aparente fragilidade da trama, Berardi sempre adiciona armadilhas imprevisíveis nas histórias que constrói, além de conseguir condensar os acontecimentos finais num número reduzido de páginas (8 em "O Poeta), quando demonstra um sensacional poder de síntese em epilogar diversos ziguezagues do roteiro em breves diálogos e quadros — o que, por outro lado, pode sugerir uma peremptória estratégia para não estourar o número de páginas propostas pelo editor. Por outro lado, com isso, há uma atmosfera vaga que sugere especulações, além de perguntas que podem permanecer sem respostas.    

Próximo episódio: "Ódio Antigo"

Arte: Bruno Marraffa

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